Se há algo que vai acabar antes do vinil, antes da fitinha k7, antes do lsd puro (ops, esse já acabou), antes do vhs, antes do jornal impresso e imundo, antes dos cines pornô de centro da cidade... é a cobertura jornalística como experiência e vivência de fatos e acontecimentos: a graça do jornalismo.
Estamos na era do virtual, isto significa: sentir sem sentir, ver sem ver, tanger sem tanger, fazer sem fazer. É o paradigma dos Campos de Morango Para Sempre, onde "nada é real e não há nada para se abraçar". Basta meia hora conectado ao universo amplo da rede para tomar conhecimento do que se passa no mundo e fazer sua home-made cobertura no seu home-made blog esperando home-made comentários que fazem a engrenagem da interatividade funcionar.
INTERMISSION para INTERATIVIDADE:
E que coisa maravilhosa a interatividade! É uma palavra tão interativa! A começar pela etimologia temos interação, palavra originária que mescla o prefixo latino 'inter' conectado à palavra, também latina, 'ação' que significa uma ação mútua, recíproca. Troca-se ação por atividade, temos a interatividade, uma atividade recíproca, uma relação entre agentes. O que é de certa forma irônico na interatividade é que ela também não é real. Ela é inversamente proporcional ao tangível e sua funcionalidade depende do distanciamento entre os agentes; quanto mais nos enfurnamos no nosso cafofo e trocamos palavras em forma de código binário com nomes e números numa tela, mais estamos sendo inter-ativos (menos estamos sendo real(mente)-ativos). Será que interatividade não deveria chamar fakeatividade? Pelo menos a etimologia não seria demasiada irônica.
Voltando aos Campos de Morango, é muito mais fácil viver com os olhos fechados e, conseqüentemente, muito mais fácil cobrir um evento sem precisar se deslocar até o local, buscar fontes, vivenciar, experimentar... (e obviamente, mais fácil não é sinônimo de mais divertido) Atualmente ignoramos Sextus Empiricus, Ockham, Bacon, Locke e 2 milênios de filosofia e empirismo. Nihil est in intellectu, quod non prius fuerit in sensu é uma falácia quando o "sensu" não está mais ligado ao real (real como tangência), mas ao sensu-virtual de situações, imagens, vivências criadas em laboratório e enviadas diretamente ao nosso cérebro. Até o processamento é facilitado, a digestão se torna mais fácil. É como tomar pílulas ao invés de comer um frango inteiro, desossando e mastigando com uma prazerosa dificuldade. Talvez pelo fato de que a quantidade tem aumentado, então se faz necessário reestruturar o processo, de forma reduzir o tamanho sem perder o amontoado de proteínas e vitaminas; o conteúdo que dá força e vigor.
Após alimentado com tudo que circunda o assunto (nada que uma pesquisa no google / wikipedia não resolva), as fontes não devem ser esquecidas. Não há nada mais incompleto que uma cobertura sem fontes (de um acidente aéreo de grandes proporções a uma partida de sinuca do boteco da esquina). E quer lugar mais fácil de encontrar fontes do que na internet? É aí que voltamos à interatividade (ah! palavra LINDA!): a Mecca da picaretagem, a falsidade ideológica não prevista em lei: INTER-ATIVIDADE. Orkut, MSN, Yahoo, G-Talk, Chat... lotados de fontes ávidas pelos holofotes. São os "warhol's 15 minutes of fame". Num mundo sem imagens, sem faces... todos buscam o que falta, todos têm uma imagem, uma face, moldada, construída para suprir aquilo que lhe falta e para os leitores mais adaptados da matrix, eles conseguem conhecer pessoas (ou fontes) pela internet utilizando esse raciocínio: a pessoa-virtual é o que lhe falta, então a pessoa-real é a peça que encaixa e que é deixada de mencionar na imagem que é criada. Dependendo do nível de picaretagem nem é necessário ter toda essa perícia para lidar com as fontes virtuais, basta procurar nos grupos de interesse relacionados com a sua cobertura.
Definitivamente, não há mais porque lidar com o jornalismo da forma que nossos professores lidavam. A hipermodernidade supersônica e com corte de verbas não permite que a apuração reportagem tenha como método mais importante a cobertura local; no jornalismo televisivo externa é luxo, no impresso e radiofônico é inexistente. Nem mesmo as pautas, guiadas pelos interesses da nova gama de público alvo requerem isso mais, visto que ninguém se importa mais com a perspectiva impessoal e imparcial do jornalismo. Em voga está a cobertura pessoal e parcial, a opinião da pessoa-jornalista é tão importante que é tomada como base e tida como norte de quem lê e se simpatiza com fulano e sicrano. É o jornalismo com nome, documento e, CLARO, imagem. O quarto poder não mais tem o papel de criador de opinião, mas se tornou uma máquina de reproduzi-las, já que ninguém mais tem tempo e preocupação de desenvolver sua própria embasada no que lê. A verossimilhança de uma perspectiva pessoal e parcial é importante para o público alvo porque assim eles não precisam desenvolver sua própria parcialidade e pessoalidade. Máquina de criar Verdade (no singular e com V maiúsculo). E, no final das contas quem liga se são fakes ou não? Vale lembrar que ainda estamos nos Campos de Morango (e não era "Para Sempre"?)